Cadê Ione?
Hoje em dia é muito difícil educar uma criança, visto que a nossa sociedade se transformou e a fronteira entre o tradicional e o démodé virou a mesma face da moeda, cujo lado contrário virou a permissividade.
Outro detalhe muito importante é quando o casal se separa, a criança entra em parafuso, muitas vezes não é por causa da separação, mas porque os pais que entraram em paranóia primeiro.
Foi assim mesmo, o caso de Rosângela, uma morena que mora lá no são Caetano, ela tinha acabado de se casar com Rodrigão, um homem grosseiro que veio do sertão.
Não demorou muito, ele arranjou logo um jeito de engravidar a moça, para ver se coloca as rédeas, segundo o infeliz.
Depois de nove meses já se viu o resultado, um grito estrondoso, com o pulmão a toda força, estreou Ione, uma moreninha sapeca.
O tempo foi passando e o nosso amigo aprontando, para cima da sofredora esposa, deu para tomar umas cervejas depois do trabalho de vigia na Ceasa, que só voltava lá pra a madrugada.
A mulher que trabalhava à noite num supermercado, não tinha tempo nem de se coçar, você sabe como é caixa de um lugar desses...
O melhor jeito que ela arranjou foi tratar logo de batizar essa garota, entregando esse “presente” para a sua irmã Rita e seu esposo Osvaldo.
Assim a moça foi mais despreocupada para o trabalho, cumprir a sua sentença no caixa de supermercado, e o esposo que não trabalhava mais por causa do alcoolismo ficava o dia inteiro no bar e à noite se jogava na cama para dormir.
Lá pelas onze horas quando a sofredora chegava, ainda o homem procurava confusão, com ciúmes, dizendo que a moça estava se vendendo na rua, futucava a bolsa da coitada perguntando sobre o dinheiro.
Sei que o casamento ruiu diante de tanto desencontro e humilhação, nesse quadro, Ione já estava” maiorzinha”, com onze anos de idade.
A salvação dela era que a menina estava em ótimas mãos, mas o que é bom dura pouco, a menina conseguiu passar no “ventibulinho” do colégio da Polícia Militar, público e conceituado, mas é longe de casa.
Poe isso, ia de van para a instituição e quando voltava ficava na casa da avó que morava na mesma rua e nos finais de semana ela ia para a residência dos padrinhos, de lá, passeavam para tudo quanto é lugar, era uma festa.
Lá no colégio a garota vez muitas amizades, só que as coleguinhas eram bem avançadinhas, já se pintavam, se achando mocinhas, ia para o shopping aos sábados, formado uma daquelas tradicionais tribos que a gente vê tanto nesses lugares de Salvador.
A transformação era a olhos vistos, quem percebia mais era a madrinha, até o cabelo a garota queria modificar, não aceitava mais trancinhas, queria se vestir como adolescente ou até adulta.
A insatisfação era total, a mãe preocupada com a transformação da guria, enchia-a de presentes, se “embolava” no cartão de crédito e comprava tudo, deu até o famigerado computador+internet que nessa soma resulta no Facebronca!
A menina fez um perfil com outro nome e ficava paquerando todo mundo que achava bonitinho, eram longas horas sentada na “segurança” do seu minúsculo quartinho.
A mãe satisfeita que a menina parou em casa, a madrinha mais descansada, porque a criança diminuiu as suas idas na sua residência, mas a avó ficava desconfiada com tanta risadinha advinda do quartinho do barraco.
No aniversário de doze anos da garota, ela ganhou um celular, um grande aliado da perdição juvenil, claro que a menina adorou.
A nossa amiga “caixa” toda satisfeita ainda vociferou para a mãe:
- Agora parece que as coisas estão indo para o lugar! Eu já estou namorando a minha filha se comportando e tudo se endireitando...
O namorado chamava-se Hélio, mora ali mesmo na viela dela, viu os atributos da mulher e resolveu conferir o “caixa”.
Não é que algum tempo depois ele já estava indo dormir lá no “moquifo” da nossa amiga?
O pior que o beberrão do ex-marido, o ex-vigia não gostou e foi lá tirar satisfação, o caldo engrossou, o pau comeu no barraco, se engalfinharam, saíram rolando a ribanceira, foram parar lá embaixo perto da pista, só não terminaram na rua porque tinha uma cerca de arame farpado que segurou os dois num grande abraço de urso.
Depois do incidente, Rosângela conversou com o seu ex-marido e ameaçou levá-lo à delegacia.
O homem sumiu, agora quem “mandava” era Hélio, que não dormiu no ponto, tratou logo de engravidar a sofredora.
A bagaceira estava perfeita, uma adolescente problemática, a mãe com a corda no pescoço, cheia de dívidas e de preocupações, o tal do homem com nome de gás nobre, não tinha nenhuma nobreza, pelo contrário, fazia bico como motorista lá na Cesta do Povo.
Ione não estava mais se concentrando na escola, só queria saber de encontrar os amigos do Facebronca e para piorar a madrinha engravidou e não tinha mais tempo de ficar saindo com a menina, que se queixava à mãe de não poder sair mais, não passeava, não ia para canto nenhum, era só no celular e na internet.
A avó dizia aquela célere frase:
- O que tanto essa menina faz no computador?
Mas não havia nenhuma resposta.
As notas delas ruíram, a menina saiu do Colégio Militar, foi para uma escolinha particular de bairro, ia estudar, mas não entrava na instituição, ela saía para namorar os amigos da net.
A mãe chegava tarde, a avó se queixava do comportamento da neta, o “namorado” queria atenção, a filha se trancava no quarto batendo a porta com a maior força, não abria a porta nem por um decreto e amanhecia...
A triste rotina seguia, Ione deu até para sair escondido, no meio da noite, ninguém sabe pra onde.
Certo dia, quando a nossa sofredora personagem chegou, ela viu o quarto da menina aberto e achando estranho perguntou:
- Cadê Ione?
O namorado dela não sabia responder, dizia que podia estar na casa da avó.
Imediatamente a coitada arrastou seu corpo até a casa da mãe e foi lá perguntar pela filha.
Só que a casa esta trancada e a idosa que não ouvia muito bem já estava no terceiro sonho.
A mulher começou a gritar pela filha, acordou a rua todinha, depois de muito escândalo a vovó Zilda acordou.
E a filha em prantos perguntou:
- Cadê Ione, mãe?
A avó da menina responde:
- Ué, está dormindo na sua casa!
Foi aí que a confusão aumentou, todo mundo assustado pela ausência da menina resolveu sair em meio à madrugada, naquele lugar perigoso.
Hélio pegou seu Chevette e saiu para os lugares mais distantes, Rosângela mesmo grávida, juntou-se com uns vizinhos e foi procurar a menina em cada beco da favela.
A irmã grávida foi para a delegacia dar uma queixa, o padrinho foi ao hospital.
Ninguém conseguiu localizar Ione, apesar da polícia também procurar, a menina parece que sumiu no ar, e a pergunta fica sempre no juízo da sua genitora, que foi promovida de caixa a coordenadora:
- Cadê Ione?
Marcelo de Oliveira Souza,IWA
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